Olá, faz quase um mês, de novo.
O tempo de tão escasso mal pode ser dobrado e colocado no bolso como de costume, então tenho andado sem ele por aí. Some a falta de vontade de pensar além do necessário; não procurar pra cabeça. Tenho vivido a base da filosofia de um pagode profético, o tal “deixa a vida me levar” e sinto informar que não é no bom sentido. As obrigações continuam, essas sim jamais cessam, e por vezes se empilham e acumulam nos cantos da rotina. Todos os dias é preciso fazer aquele esforcinho colossal para sair da cama, tomar um banho sem chorar e preparar um café forte, só pra colocar a mente pra funcionar, pra pegar no tranco mesmo, e justamente agora em maio/junho que esfriou um pouco mais a minha cafeteira quebrou, o meu refrigerador não funciona à la Os mutantes. Pois é, mais uma queixa vai pra conta.
Se faz necessário colocar os pés fora de casa, ainda que a luz do sol ofusque ou mesmo a chuva fina que ensopa cabelo e roupas - essa que chamamos de neblina paulista e que se faz chuva sim, pois encharca, ensopa - se derrame sobre nós impiedosamente; a buzina dos caminhões nos enlouquecem; e o rasante do delivery armados das mais loucas acrobacias nos coloca em estado de atenção constante, ainda quando o dia amanhece em toda sua calma, ainda dono do seu próprio tempo. Pra nós tudo é tão urgente… me faz suspirar. Minto! Pois o suspiro não espera, é mais como um soluço entrecortado, tenho que apertar o passo, como o coelho de Alice sempre com injustificável pressa, o relógio não pára jamais e a pressa é sim amiga da perfeição e da alta pressão arterial.
Nessa prisão não só eu ou alguns de nós, uma certa classe trabalhadora. Nessa prisão pelo que me parece estamos todos, ou pelo menos quase. Os que percorrem longas ou curtas distâncias, não importa, é só mais um detalhe sórdido/irônico, do nosso sistema. Enfim, parece drama, mas é fato. Juro que não pensei em tão cedo precisar escrever sobre o transporte público, pois, apesar de tudo, minha relação particular com ele tem estado um pouco (uma pitada apenas) melhor. Ainda nem perto de um suposto ideal, caso esse tal de “ideal” exista, mas, digamos que já estive na pior. Recentemente escrevi sobre as crises de ansiedade que sofro quando estou em movimento no metrô de São Paulo, e justamente por isso pensei que não precisaria criar toda essa literatura a respeito do deslocamento urbano, então me surpreendo por estar aqui hoje falando justamente sobre isso.
Nas últimas semanas uma notícia tenebrosa nos colocou em situação indefinida, a morte por esmagamento de um passageiro na linha lilás do metrô de São Paulo. O usuário ficou preso entre as portas do compartimento do vagão e as portas da plataforma e a distância entre as essas duas é minúscula, todos pensávamos ser impossível o encaixe de um corpo humano naquele espaço. Bom, nós do lado de cá pensávamos ser assim, mas os responsáveis pelo projeto e funcionamento dessa modalidade de transporte tanto sabiam que, o acidente, na verdade, foi fruto de uma espécie de gambiarra ou economia de equipamento de segurança no transporte. Com o escândalo praticamente formado, começa a surgir aqui e ali relatos de diversos usuários que já haviam passado poucas e boas na dependência do metrô, naquele mesmo vagão, e em outros, naquela e também em outras linhas. Muito rapidamente e quase na surdina houve a implementação do equipamento de segurança faltante, uma peça barata de borracha que serviria para preencher o espaço próximo às portas, ainda assim alguém precisou morrer para que o básico pudesse ser feito.
Para além das falhas técnicas, temos as humanas, é papo recorrente a queixa dos passageiros e as notícias lamentáveis que chegam até nós mesmo quando não estamos à procura de determinada informação. Tem gente que gosta de saber como está o transporte antes de sair de casa, tem gente que não, pra não desistir porque todos os dias a novela se repete. Entre conhecidos, comentar o quanto o trânsito mudou por aqui no pós pandemia é assunto batido, muita coisa mudou, tudo mudou mas as menções do quão assustadora e desumana tem sido a correria todas as manhãs nos trens, ônibus e metrôs da capital metropolitana é pauta que jamais morre.
O transporte se tornou uma verdadeira corrida maluca sem graça alguma, e mesmo quando houve a implementação do home office, que deveria ser algum tipo de alívio próximo a solução quiçá permanente, não. Qual o sentido em fazer com que o profissional que não precisa estar presente fisicamente em seu trabalho se desloque a longas distâncias todos os dias ? Setores inteiros que com o advento da tecnologia e acesso a internet poderiam se modernizar e manter sem passar por cima da nossa carcaça já tão maltratada.
Só nos últimos meses me deparei horrorizada com notícia como essas: Homem morre esmagado entre portas de metrô na linha lilás, superlotação de trem fomenta briga dentro de vagão e passageiros trocam golpes de faca em composição, mulher fratura a mão ao encostar em trem em movimento na linha vermelha do metrô, passageira morre em corrida de mototáxi, pois é, estamos tentando oferecer esse serviço, também, digo “tentando” porque ainda há uma grande discussão sobre o assunto.
“O aumento do número de motos, foi decisivo para tal escalada. O número de mortes de motociclistas na Região Metropolitana de São Paulo subiu de 522 em 2017 para 855 em 2024, maior marca registrada na história, superando mesmo os 616 de 2015. Na prática, morreram mais de 2 motoqueiros por dia na Grande São Paulo em 2024.
A segurança não é garantida e a tragédia nem mais anunciada é, pois já se tornou suficientemente real. Um homem coloca fogo no próprio corpo dentro de uma estação em horário de pico, a ajuda demora a vir, a cena me causa arrepios, o homem, um morador de rua morre poucos dias depois no hospital. Onde estamos com a cabeça enquanto ainda temos uma?
Contamos com a pesquisa de origem destino que avalia o transporte em São Paulo desde os anos 60. Os mesmos nos revelam dados preocupantes e uma certa suspeita de crise iniciada em 2023.
“A pesquisa é realizada a cada 10 anos e que foi antecipada em função dos impactos da pandemia, revela que pela primeira vez na história caiu o número total de viagens na metrópole, sendo que esta queda foi particularmente intensa no uso do transporte público coletivo.”
Pré e pós pandemia.
“Junto à redução do número de usuários houve também redução da oferta. Se, no final de 2017, ano do último levantamento, a frota da SPTrans era de 14.456 ônibus, no final de 2024 havia diminuído para 13.277 refletindo em demandas de aumento da frota e frequência dos ônibus pela sociedade civil.”
“Nos trens e metrô, a crise pode ser relacionada a problemas antigos, como a superlotação e falta de investimento em infraestrutura, em especial nas linhas sobre trilhos que atendem às regiões fora dos limites da capital, bem como a problemas novos. A concessão de parte da rede da CPTM veio acompanhada de problemas técnicos constantes, como curto-circuito em vagões, além de paralisações e falhas de operação.”
São tantos trechos e outras fontes a destacar, então aproveito para deixar o link da matéria completa. Ensaiei um encerramento duro para a postagem, recheado de uma certa critica mas ela está mesmo por toda parte, então irei me abster. A matéria e imagem de descontentamento hão de servir para reflexão. Se cuide, estamos juntos nessa.